domingo, 28 de maio de 2017

A MUSICALIDADE NA POÉTICA DE MEYERHOLD


"A arte na encenação é saber harmonizar, pelos jogos de cena o tecido melódico do espetáculo. Este é o jogo dos atores."
MEYERHOLD, Vsévolod

Meyerhold talvez tenha sido quem mais aprofundou e superou os princípios que Stanislaviski iniciou, mas todo seu esforço vinha principalmente do desejo de criar um ator que fosse capaz de dar conta de um  teatro para além da imitação do gesto. Que fosse capaz de compreender o personagem, o texto e seu papel como criador, possibilitando interação emocional da obra com o público. Um ator que fosse criativo.

A prática meyerholdiana constituir em fundamentos que busca um ator que tome frente e uma posição diante da personagem, rompendo a quarta parede e jogando com o público. Isso por si só já significa um distanciamento evidente do naturalismo.

Neste ponto se faz importante um esclarecimento terminológico. Em oposição ao teatro que imita a vida, Meyerhold resgata a ideia do teatro como o local da convenção. Sabemos que não é vida real e sabemos que não se trata da vida das personagens, mas atores que as representam nas situações cênica. A partir daí estipular os papéis da plateia e dos atores, na construção desse lugar para além do real. Assim falando em Teatro de convenção desenvolvido no período quando esteve à frente do Teatro Estúdio.

Sete princípios aprovados por Meyerhold sobre o Teatro de Convenção:
  • A ênfase é no ator, trabalhando com o mínimo de acessórios e cenário;
  • O espectador é instigado a usar sua imaginação;
  • O ator trabalha sobre plasticidade física e expressão;
  • As palavras do texto podem ser musicalizadas pelo diretor;
  • O ritmo se torna mais importante para as mentes do diretor e dos espectadores;
  • O visual do trabalho é construído cuidadosamente, como a pintura de um quadro;
  • O teatro estilizado pode produzir qualquer tipo de peça, de Aristifanes a Ibsen.



Então pra retomar o exercício, o ator tem poder livre no texto, mas precisa comunicar a essência da cena. E pode reduzir os recursos técnicos para absolutamente o mínimo. O ator precisa pensar como um pintor e construir a cena com estilo sólido para a forma, linha e cores. Acima de tudo, precisa fortificar sua expressividade física na atuação, concentrando todo o tempo no ritmo: o ritmo do diálogo, o ritmo dos movimentos, o ritmo das formas criadas quando os atores se jutam no palco.

Esse olhar de Meyerhold dá a dimensão do teatro atual, pois mais que uma reação ao naturalismo ele resgata a teatralidade da cena. Tudo a partir do trabalho do ator, que se torna compositor de sua encenação, em diálogo com todas as demais composições em jogo, pois é um elemento da cena tão importante quanto a iluminação, a sonoplastia, o cenário, o design visual ou figurino

Era necessária a compreensão de uma nova musicalidade para o trabalho do ator, assim como acontece hoje. Quebrar com a mesmice da música da vida cotidiana, e isso somente se poderia alcançar pelo mistério e pelo inacabado. O oposto disso, o teatro naturalista, transforma a arte teatral numa ilustração das palavras do dramaturgo.

Biografia

ABENSOUR, Gerard. Vsevolod Meyerhold ou a Invenção da Encenação. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perpectiva, 2011

TRUPE DE ARTISTAS DRAMÁTICOS RUSSOS E CONFRARIA DO NOVO DRAMA

Depois que Meyerhold saiu do grupo Teatro de arte, de Stanislavski, resolveu criar um grupo próprio, com sua própria de repertório. Foi criado então a Trupe de artistas dramáticos Russos. A primeira temporada do grupo foi agendada em Kherson, uma cidade na Crimeia. O grupo propunha um repertório menor do que os das outras trupes provincianas e nem o diretor e nem os atores tinham como financiar as montagens. Contaram então com dinheiro emprestado. Era uma jogada de fato muito arriscada. Tchékhov se mostrou receoso com a proposta. Julgava Kherson uma cidade arriscada e talvez pouco receptiva para a proposta do diretor. No pequeno repertório do grupo encontravam-se autores como Ibsen, Tchékhov e Hauptmann.
Mesmo criticando muito Stanislavski na teoria, sua direção prática se assemelhou um pouco com a do mestre. 

"Como diretor, comecei imitando servilmente Stanislavski. Na teoria, não aceitava muitos pontos nos métodos de suas primeiras encenações, mas quando eu mesmo me pus a dirigir, segui passivamente suas pegadas. Não o lamento, porque foi uma fase de curta duração; além disso, serviu de excelente escola prática...'' 

Mesmo sendo um passo arriscado, foi bem sucedido. A trupe acabou impressionando os moradores de Kherson. O sucesso do grupo fez com que eles pudessem excursionar pelas cidades do Sul.
A temporada de sorte que tiveram fez com que Meyerhold tivesse coragem para anunciar as mudanças e mudar o nome do grupo. Agora se identificavam como Confraria do novo Drama. Agora, o grupo se tornava ais sólido na procura da corrente artística moderna e dramatúrgica. Entre outras montagens de peças do novo repertório, a obra "Neve", de Stanislav, marcou o primeiro passo de Meyerhold dentro de um teatro mais despojado e uma encenação não tão realista. As tentativas e ir contra o naturalismo fizeram um espetáculo modesto em visões artística, mas ainda sim, conquistou o público e marcou o nome do diretor. 
O teatro caminhou junto com as artes visuais, assim, as cenografias da época eram influenciadas por pintores como Benois, Bakst e Golóvin.
No entanto, Meyerhold ainda não se sentia feliz com suas pesquisas e não sentia que tinha achado o que procurava. A outra temporada que aconteceu ajudou para que ele fechasse acordo em Tiflis, onde havia um teatro moderno com palco giratório e iluminação moderna lhe fora oferecido. Montou então ''As três irmãs.'' Foi uma montagem simbolista do texto, colocando horror metafísico, que transforma os personagens em máscaras fantasmagóricas. Ele cria então, símbolos para suas peças: o grotesco, a estilização e o principio musical da construção dramática. No entanto, as inovações não foram consideradas tão inovadoras assim. A recriação da realidade presente na peça era, na verdade, um termo Stanislavskiano. Outras peças se juntaram ao repertório dessa temporada na Geórgia, mas só uma remontagem da peça ''Neve'' foi mais usada cenicamente. As cores usadas na montagem espantaram não só a critica, como a própria plateia. 
Meyerhold, porém, não cessou suas pesquisas. Enveredou novamente na pesquisa vanguardista e se aprofundou nas expressões que entendia por ''Estilização'' e ''Quinta-essencia da vida''. Mais adiante veremos que quem ajudou Vsevolod nessa nova fase foi ninguém menos que Stanislavski.

Bibliografia
GUINSBURG, J. Stanislávski, Meierhold & Cia. São Paulo : Perspectiva, 2008.

O DESCONTENTAMENTO DE MEYERHOLD

Meyerhold começou atuando para Stanislavski. Era bom e se destacava, mas seu corpo espichado e longo lhe dava movimentos bruscos demais para o teatro realista de seu mestre. A crítica o alertava sobre isso, mas não era algo que podia de fato mudar, já que esses movimentos angulosos e muito irrealistas estavam ligados ao formato de seu corpo.
Eis um pedaço da carta escrita por Tchékhov, amigo e companheiro de palco de Meyerhold, endereçada a Olga Kníper, esposa do ator em questão:

''Onde no mundo você já viu pessoas jogando-se de um lado para o outro, pulando e agarrando a cabeça com as mãos? O sofrimento deveria ser expresso tal como é na própria vida, não pela ação de braços e pernas, mas por um tom de voz ou olhar; [...] Manifestações espirituais sutis, que são naturais em pessoas cultivadas, deveriam ser expressas exteriormente também. Você vai aduzir considerações de encenação. Mas nenhuma consideração pode justificar a falsidade.''

Seu trabalho como ator foi decaindo aos poucos. Foi sendo afastado de papéis principais. O que acontecia, na verdade, era uma crise fruto de pensamentos sombrios sobre a existência. O que também tirava a qualidade de Meyerhold era sua vontade por uma nova arte. Queria opor-se a arte realista e cheia de regras que vivia. Essa revolta o fez fazer experimentações com movimentos estilizados e expressões exageradas. Esse era um ator em busca de uma nova arte que o agradasse. 
Talvez fosse culpa de sua posição Política, talvez até fruto de uma formação mais elitista que o levava a uma arte mais livre criativamente e mais abstrata, o teatro realista de Stanislavski parecia um confinamento, no qual separava o ator da plateia. Para ele, a plateia precisava não só assistir como participar da peça. Queria que a plateia soubesse que ela tinha existência real para ele, ao contrário, em seu pensamento, do que Stanislavski fazia parecer. 
Por toda sua ansia de experimentar um teatro novo e testar a direção, Meyerhold sai, em 1902 , do elenco do Teatro de arte, em plena temporada. O grupo apresentava mais uma vez a peça ''Três irmãs'' de Stanislavski. 
Sua saída marcou a formação do grupo Trupe de Artistas Dramáticos Russos, criado por ele. Falarei mais sobre essa parte da vida de nosso ator, diretor e encenador em outro post.

Bibliografia
GUINSBURG, J. Stanislávski, Meierhold & Cia. São Paulo : Perspectiva, 2008.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

O MOVIMENTO


   O movimento, a parte física do ator eram considerados partes importantes para Meyerhold, pois, para ele, o sentimento e a entonação surgem após um trabalho corporal que valoriza a precisão e o desenho do movimento na cena. Esse domínio pelo ator do espaço cênico ocorria após diversos exercícios corporais (listados aqui), experiências e processos de desempenho.
   Assim dizendo, temos uma ilusão de que os movimentos seriam robotizados, mas, na realidade, buscou-se uma execução de ações orgânicas racionalizadas, isto é, o ator devia ter uma noção de seus movimentos, calculá-los, coordená-los, para obter uma autoconsciência corporal resultando em uma grande noção espacial e rítmica em prol de uma expressividade cênica intensificada. 
   O ator não é boneco, mas "um ser racional desenvolvendo inteligentemente uma ação tanto coletiva quanto individual"¹ 

Cenas retiradas do vídeo Biomecanica de Meyerhold Film Original.²  

   Além dos próprios exercícios de biomecânica, o ator trabalhava com outras habilidades nas oficinas feitas por Meyerhold. Eram treinados por outros profissionais em exercícios como: esgrima, boxe, Euritmia de Dalcroze, balé clássico, solo - da ginástica artística, dança moderna, "posição do tripé", dança de cabaré, malabarismo, dicção, discurso e música. Quanto mais habilidades extras - e que trabalhassem o movimento - o ator obtivesse, maior seria sua eficiência para execução de outras tarefas.³
   Ao racionalizar a locomoção, Meyerhold, em suas criações, exigia o uso de movimentos fixos pelos atores. A busca pela perfeição das ações o fazia ter uma preocupação com o estado do ator, que deveria estar psicologicamente bem para interpretar a(s) personagem(ns). Para isso, técnicas psicológicas e improvisações também foram utilizadas durante o treinamento do ator. 
   Em suma, seu trabalho buscava criar grandes artistas que fossem capazes de compor cenas inesquecíveis, com padrões de movimentos que formariam espetáculos impactantes em todas as apresentações, não importando quantas vezes fosse apresentado, pois as expressões - por partirem de um mesmo padrão de ação e de gesto - seriam as mesmas, entregues a cada espectador da mesma maneira, causando as mesmas reações, que, para o diretor, eram os "testes finais" que provavam a excelência de suas criações.  


terça-feira, 23 de maio de 2017

LISTA DE EXERCÍCIOS DE BIOMECÂNICA

Nos primeiros dois anos dos workshops de Meyerhold, um de seus alunos e assistentes enumerou as práticas feitas, criando uma lista de exercícios - presente no livro de Alma Law and Mel Gordon, Meyerhold, Eisensteins and Biomechanics: Actor Training in Revolutionary Russia¹. 

Após uma preparação corporal (Dactyl), os atores iniciavam a seguinte seguinte sequência de exercícios:
  1. Shooting with Bow and Arrow.
  2. Leap on Partner's Back and Transfer of Weight
  3. Falling and Catching [of Partner] and Lifting One's Weight
  4. Blow on the Nose
  5. Slap on the Face 
  6.  Pushing Down a Kneeling Figure with the Foot
  7. Play with a Stick and Juggling
  8.  Bouncing a Ball in the Air
  9.  Throwing a Stone
  10. Leap on the Chest of Opponent 
  11. Play with a (Short) Dagger
  12. Quadrille
  13. Rope
  14. Horse
  15. Four Skaters
  16. Strumbling
  17. Bridge
  18. Sawing
  19. Scythe
  20. Funeral
  21. Fool
  22.  Leapfrog
Sobre o exercício de preparação, The Dactyl, sabe-se que seus objetivos buscavam a concentração e o equilíbrio do ator. Sua execução depende de um total relaxamento muscular, com pés paralelos, joelhos levemente flexionados e os braços soltos ao lado do corpo. Em seguida, os movimentos das mãos para frente iniciam um movimento que leva todo o corpo para frente, com o apoio somente no metatarso. Movimentos abruptos são executados com uma sucessão e progressão, criando uma energia ao ator transmitida pelas pernas e pés, preparando-o para os exercícios já citados. 




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¹ LAW, Alma H. Meyerhold, Eisenstein and biomecanics: actor training in revolutionary Russia / by Alma Law and Mel Gordon, MacFarland & Company, Inc., Publishers, 1996.